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Dell enfrenta o desafio do varejo

02/02/2009 - 00:02
O computador pessoal e a internet ainda eram recursos de luxo no Brasil, restritos a pouco mais de 3 milhões de pessoas, quando a fabricante americana Dell decidiu montar uma base operacional no país, em 1999. Passada uma década, a companhia coleciona alguns feitos para comemorar no país. Desde o primeiro minuto, a Dell acompanhou com uma lupa a evolução do setor empresarial no Brasil. A dedicação lhe valeu a liderança atual do mercado de servidores (computadores de grande porte), do qual detém uma fatia de 40%, e de PCs para empresas.

Nesse caminho, porém, algo ficou para trás. No ano passado, o Brasil comprou 12 milhões de PCs, com previsão de atingir uma base de 50 milhões de internautas neste ano. Mas este movimento, que ajudou a transformar o país no quarto maior mercado de computadores do mundo, não foi obra exclusiva do apetite empresarial pela tecnologia. Em grande parte, esse desempenho vem sendo puxado, há pelo menos quatro anos, pelo consumidor doméstico, uma figura que até pouco mais de um ano era um estranho no ninho da Dell. "Eles demoraram para entender o mercado e reagir ao que estava acontecendo", diz um executivo que lidera a área de vendas de outra fabricante de PCs. "Por isso estão sofrendo para ganhar participação de mercado."

O momento atual, no entanto, nunca foi mais propício para ganhar espaço, diz Raymundo Peixoto, executivo que lidera a Dell no Brasil desde maio de 2003. O varejo, afirma Peixoto, transformou-se em uma obsessão para a Dell em todo o mundo, desde que Michael Dell, o fundador, reassumiu as operações da companhia há dois e desistiu do modelo de vendas exclusivas pela internet e pelo telefone. De lá para cá, sem abrir mão desses meios, a ordem é partir para as grandes redes de varejo e chegar ao ponto-de-venda, onde as pessoas podem ver e tocar os produtos. "É isso o que temos feito", diz Peixoto.

No fim de 2007, a Dell vendia seus produtos nas lojas das redes Ponto Frio e Wal-Mart. No ano passado, a parceria foi estendida para Carrefour, Colombo e Fnac. Por que não a Casas Bahia? "Porque eu acredito que uma parceria existe quando traz benefícios para todos que estão envolvidos", diz Peixoto. "Se não for assim, não é parceria."

Reconhecido no mercado pelo perfil detalhista e competitivo que imprime aos negócios, Peixoto diz que a conversão para o varejo já tem dado resultados. Boa parte desse desempenho se deve a parcerias como a fechada com a rede Ponto Frio. "Entre os notebooks com preço entre R$ 2 mil e R$ 3,5 mil, a Dell tem ficado entre o primeiro e o segundo lugar nas vendas", comenta Fábio Régis, diretor comercial de tecnologia do Ponto Frio, que também vende máquinas CCE, Intelbras, Positivo, HP e Sony. "Pelo pouco tempo de relacionamento que temos, é um resultado que nos surpreendeu."

No terceiro trimestre de 2008, as vendas de varejo da Dell cresceram 150%. O bom desempenho, no entanto, está longe de fazer da fabricante uma líder no mercado residencial de PCs no país. Embora a Dell não revele a quantidade de máquinas vendidas no varejo, dados da consultoria IDC apontam que, em setembro do ano passado, a empresa detinha uma participação de apenas 1,9% do mercado de PCs usados em casa. O resultado é mais do que o dobro do que foi apresentado pela empresa no mesmo período de 2007 - quando a Dell possuía 0,9% desse segmento - mas certamente é pouco perto do que a companhia almeja.

O peso dos negócios com empresas é evidente no balanço da Dell. A exemplo da média mundial da companhia, no Brasil a Dell tem 80% de seus negócios concentrados nas mãos do setor corporativo, contra apenas 20% do varejo. É uma realidade praticamente oposta à da Positivo Informática, que lidera o mercado de PCs no país. Em 2008, a fabricante brasileira vendeu 1,602 milhão de computadores, dos quais 73% foram adquiridos por consumidores finais.

O varejo também já é responsável pela maior parte dos negócios da HP no Brasil, que há quatro anos decidiu se concentrar nesse mercado. As vendas para o consumidor final, que há alguns anos representavam 30% do faturamento total com PCs, passaram a responder por 60% do bolo da HP. "Queremos buscar um equilibrio, mas isso não ocorre de uma hora para outra", afirma o diretor geral da Dell. Uma decisão que instantaneamente daria à Dell a liderança do mercado de PCs no país seria a aquisição da Positivo, hipótese que foi aventada no mês passado e que também envolveu eventuais interesses da chinesa Lenovo, fabricante que procura um lugar ao sol no mercado de varejo. Peixoto, no entanto, nega qualquer tipo de negociação com a Positivo. "Se havia alguma negociação nesse sentido, se esqueceram de me avisar", diz, em tom de brincadeira.

O reposicionamento da Dell no mercado tem passado por uma série de reestruturações. Há quase dois anos, a empresa, que tem sede em Porto Alegre, transferiu sua fábrica para Hortolândia (SP). A decisão, diz Peixoto, foi tomada para que a Dell ficasse mais próxima dos clientes. Desde então, a empresa é alvo de especulações sobre sua migração total para São Paulo, possibilidade que Peixoto nega. Quando trouxe a fábrica para o interior paulista, a Dell ficou com 1,2 mil funcionários em Porto Alegre. De lá para cá, o quadro cresceu. Hoje são 2 mil pessoas, responsáveis por serviços como atendimento ao cliente e suporte técnico, além da área administrativa e do desenvolvimento de software. Na base de Hortolândia trabalham cerca de 600 pessoas. "O Rio Grande do Sul é e continuará a ser nossa sede; temos uma grande operação no Estado e ela será mantida." As mudanças na subsidiária são um reflexo do que a Dell vive em todo o mundo.

Desde que reassumiu o cargo de executivo-chefe, há dois anos, Michael Dell reestruturou o modelo de vendas e cortou mais de 12,9 mil vagas. Com a competição das fábricas asiáticas, a empresa acabou ficando com uma série de unidades de produção nos EUA que não conseguem mais competir no fator custo. Dentro e fora do Brasil, o interesse da Dell pelo consumidor final ganhou ainda mais peso com a crise econômica, que tem levado as empresas a congelar os planos de atualização de equipamentos. Outro fator que ajuda a protelar os projetos de renovação da base é o lançamento do próximo sistema operacional da Microsoft. A nova edição do Windows, programa que costuma empurrar o mercado para novas máquinas, está previsto para o fim deste ano ou início de 2010. "O mercado não vive um momento de tédio, mas de superação", diz Peixoto, que recentemente decidiu voltar a surfar para renovar as energias. "Quem tiver inovação e um bom posicionamento de mercado, vai sair fortalecido dessa crise."

(Fonte: Valor Econômico)

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